sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O sumidouro da Voluntários - parte IV

     Nos dias que se seguiram àquele primeiro encontro eu me pegava pensando em Natália com uma frequência irritante. Sim, irritante, porque parecia que eu não tinha controle sobre meus pensamentos. Minha cabeça revivificava cada detalhe, ainda que bobo, daquela noite.

     O rosto levemente ovalado e expressivo de Natália, contra uma tez clara, quase diáfana, e que terminava em um queixo delicado mas incisivo, que parecia espetar o ar à sua frente, e com uma covinha quase imperceptível. Os seus olhos, que me faziam lembrar Homero, ao descrever os aqueus, por oblongos, eram de um verde acinzentado, herméticos, misteriosos, e nos quais se podiam antever dias azuis e ensolarados seguidos por tempestades avassaladoras. Mas era a boca, com seus arcos delicados e harmoniosos,  que sintetizava bem o conjunto. Ah, com eu quis beijar aquela boca, confesso agora, desde o primeiro momento.

     E enquanto eu repassava tudo, me surpreendi ao lembrar daquela impressão inicial, a de uma beleza trivial! Ainda que eu estivesse mais ou menos ciente de que o meu senso crítico e de moderação já não me acudiam àquela altura, tudo o que eu podia dizer então era que a beleza da Natália podia ser muitas coisas, menos trivial.

     Uma outra coisa, até então totalmente estranha para mim, aconteceu naqueles dias; foi um sentimento que surgiu de modo quase imperceptível e foi se exasperando.

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