Apenas por um dia é a natureza daquilo que é efêmero, transitório, impermanente, mas nem por isso menos belo, singular ou desprovido de importância. Sempre haverá uma perspectiva, um fragmento encoberto, que faz com que algo qualquer envolva alguma qualidade incomum, ainda que ambígua, mas por isso mesmo, rara.
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
Ambição
terça-feira, 30 de julho de 2019
Os loucos, seus solilóquios e os meninos
sexta-feira, 7 de junho de 2019
Das coisas que ela nunca saberá
um pequeno gesto, inerme e delicado, sustou, por um átimo
o tempo, o som, o sol e tudo que passava.
Os dedos delicados dela tocaram-lhe as faces hirsutas.
Seus lábios lhanos e lívidos sussurraram-lhe algo
e um sorriso que, como as pombas da Alfândega, abriu suas delicadas asas e se perdeu para sempre na tarde alheia.
Eles nunca saberão de mim
e a cidade nunca saberá...
Do lugar donde eu me encontrava imaginei um sussurro, inaudível:
"não te vás, fiques mais um pouco!"
quinta-feira, 30 de maio de 2019
Eu quis que você ficasse
Te falei tantas coisas sem pensare pensei outras tantas, que não disse
Dia desses ouvi alguém falar o teu nome
e então me dei conta de que a primavera também se fora
A tua ausência impregnou as fendas do velho apartamento
e os rabiscos, ainda espalhados pelo chão, são os vestígios
de um tempo em que a felicidade rondava por ali
terça-feira, 14 de maio de 2019
A poça
Claudiquei, mas me refiz a tempo de lembrar do teu riso
Os pensamentos dispersos, os contornos da rua, o teu nome rabiscado na calçada
Ruídos silenciosos e silêncios ruidosos pululavam aqui e ali
O temporal se fora
O céu estava limpo, agora
E então, finalmente, as estrelas!
A árvore caída sobre o meio fio dizia algo sobre o efêmero,
pela manhã ninguém mais se lembrará de que ela, um dia, estivera
A lembrança de uma canção noturna
O sinal perdido de wi-fi
O giz
A poça
E uma quimera
sábado, 19 de janeiro de 2019
No espelho da noite eu era Gregor Samsa
- Constantina!
Uma lâmpada vacilante lançava sua luz de um amarelo envelhecido contra o interior do pequeno barco sacolejante que cruzava o rio Madre de Dios no meio da noite. Bem mais distante estavam as luzes de Puerto Maldonado que bruxuleavam no lado oposto da margem. Sobrepondo-se ao breu, o esqueleto da ponte metálica que ligaria a duas pontas da Carretera Interoceânica mais parecia a carcaça de um grande e ancestral animal há muito extinto.
- Conhece? Constantina?
O sujeito havia embarcado comigo em Rio Branco, no Acre, e depois de um dia inteiro de viagem em que quase não se ouvira dele uma palavra sequer, de repente, no meio daquela travessia insólita, contra o ruído do motor e meio que aos berros, resolvera puxar assunto!
- Conheço, de passagem. Fica próximo a Sarandi, não é?
- Isso. Pensei ter ouvido tu dizeres que era de Cruz Alta... presumi que podia conhecer... Constantina.
- Tu és de Constantina?
A minha pergunta banal pareceu tê-lo tomado de surpresa e, por alguma razão, o embaraçado. Ele desviou o seu olhar para algum lugar no escuro da noite; fez uma longa pausa, e quando eu já achava que havia se recolhido novamente ao seu silêncio mineral, irrompeu, com um sorriso meio retorcido:
- Não! Eu costumava ser de Passo Fundo.
- Ah, sim - respondi, não sem esconder uma certa irritação com a forma como a resposta fora dada. Ato contínuo, ele tornou aos olhos da noite, e eu às luzes bruxuleantes.
Na outra margem, veículos que pareciam uma espécie de tuc-tuc aguardavam para levar os passageiros que seguiriam adiante até o terminal rodoviário. Novamente aquele sujeito estranho, que pelo menos agora eu sabia tratar-se de um conterrâneo, gaúcho, como eu, se dirigiu a mim, pedindo para dividirmos o tuc-tuc, que mal comportava nós dois e as bagagens.
Atravessamos Puerto Maldonado e suas ruas excêntricas. Uma espécie de película lívida interpunha-se entre nós e a cidade, permitindo-nos apenas lobrigar seus contornos. Jovens malabaristas que mais pareciam ter saído de algum conto estranho de Edgar Allan Poe pululavam pelas esquinas principais. Durante o trajeto estreitamos as apresentações e trocamos algumas outras amenidades; eu me sentia um tanto desconfortável na companhia do sujeito, que agora eu sabia chamar-se Paulo. Mal chegamos no terminal rodoviário de Puerto Maldonado e já embarcamos; o ônibus que nos levaria a Cuzcu apenas aguardava a nossa chegada para dar partida. Sentamo-nos lado a lado, e a partir daí, pouco a pouco, como se tivesse esperado longamente por um momento como esse, Paulo começou a contar a sua história fantástica.
- No verão de 1977 eu tinha 17 anos, e ela 16. Na superfície, Constantina, com sua gente, era aquilo que as pequenas cidades e seus habitantes sempre aparentaram ser em tantos outros lugares dos fundões da América Latina: tediosa e melancólica. Aparentemente!, porque é justamente em lugares como esse que os dramas humanos se desenrolam, sem aspirar notoriedade, e por essa razão, mais profundos. Eu a chamava simplesmente de Moça; ela era a minha moça. Quanto a mim?, Gregor... Gregor Samsa era o meu nome, e por Gregor Samsa ela me tratava. O nosso mundo estava situado para além dos limites daquilo que se convencionou chamar de realidade objetiva.
Uma lâmpada vacilante lançava sua luz de um amarelo envelhecido contra o interior do pequeno barco sacolejante que cruzava o rio Madre de Dios no meio da noite. Bem mais distante estavam as luzes de Puerto Maldonado que bruxuleavam no lado oposto da margem. Sobrepondo-se ao breu, o esqueleto da ponte metálica que ligaria a duas pontas da Carretera Interoceânica mais parecia a carcaça de um grande e ancestral animal há muito extinto.
- Conhece? Constantina?
O sujeito havia embarcado comigo em Rio Branco, no Acre, e depois de um dia inteiro de viagem em que quase não se ouvira dele uma palavra sequer, de repente, no meio daquela travessia insólita, contra o ruído do motor e meio que aos berros, resolvera puxar assunto!
- Conheço, de passagem. Fica próximo a Sarandi, não é?
- Isso. Pensei ter ouvido tu dizeres que era de Cruz Alta... presumi que podia conhecer... Constantina.
- Tu és de Constantina?
A minha pergunta banal pareceu tê-lo tomado de surpresa e, por alguma razão, o embaraçado. Ele desviou o seu olhar para algum lugar no escuro da noite; fez uma longa pausa, e quando eu já achava que havia se recolhido novamente ao seu silêncio mineral, irrompeu, com um sorriso meio retorcido:
- Não! Eu costumava ser de Passo Fundo.
- Ah, sim - respondi, não sem esconder uma certa irritação com a forma como a resposta fora dada. Ato contínuo, ele tornou aos olhos da noite, e eu às luzes bruxuleantes.
Na outra margem, veículos que pareciam uma espécie de tuc-tuc aguardavam para levar os passageiros que seguiriam adiante até o terminal rodoviário. Novamente aquele sujeito estranho, que pelo menos agora eu sabia tratar-se de um conterrâneo, gaúcho, como eu, se dirigiu a mim, pedindo para dividirmos o tuc-tuc, que mal comportava nós dois e as bagagens.
Atravessamos Puerto Maldonado e suas ruas excêntricas. Uma espécie de película lívida interpunha-se entre nós e a cidade, permitindo-nos apenas lobrigar seus contornos. Jovens malabaristas que mais pareciam ter saído de algum conto estranho de Edgar Allan Poe pululavam pelas esquinas principais. Durante o trajeto estreitamos as apresentações e trocamos algumas outras amenidades; eu me sentia um tanto desconfortável na companhia do sujeito, que agora eu sabia chamar-se Paulo. Mal chegamos no terminal rodoviário de Puerto Maldonado e já embarcamos; o ônibus que nos levaria a Cuzcu apenas aguardava a nossa chegada para dar partida. Sentamo-nos lado a lado, e a partir daí, pouco a pouco, como se tivesse esperado longamente por um momento como esse, Paulo começou a contar a sua história fantástica.
- No verão de 1977 eu tinha 17 anos, e ela 16. Na superfície, Constantina, com sua gente, era aquilo que as pequenas cidades e seus habitantes sempre aparentaram ser em tantos outros lugares dos fundões da América Latina: tediosa e melancólica. Aparentemente!, porque é justamente em lugares como esse que os dramas humanos se desenrolam, sem aspirar notoriedade, e por essa razão, mais profundos. Eu a chamava simplesmente de Moça; ela era a minha moça. Quanto a mim?, Gregor... Gregor Samsa era o meu nome, e por Gregor Samsa ela me tratava. O nosso mundo estava situado para além dos limites daquilo que se convencionou chamar de realidade objetiva.
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