quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Mais um dia

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As costas contra as cordas denunciavam a aflitiva posição no ringue. O último golpe na linha da cintura o deixara completamente sem ar. Esforçava-se para manter a cabeça oculta atrás dos punhos vacilantes, mas o sangue que vertia de seus supercílios abertos deixava a sua visão turva. Lembrou-se, então, daquela manhã de setembro e do sol refletindo no rosto dela. Vestia uma camiseta amarela com pequenas flores vermelhas; os cabelos soltos, os olhos amendoados e as mãos inquietas, de uma alva delicadeza. O adversário, implacável, continuava a castigar-lhe, agora com uma combinação que parecia interminável. Mas foi um jab de esquerda que fez seus joelhos dobrarem. Apelou para o clinch, e apenas por um instante a lona pareceu-lhe o destino inexorável. Foi na primavera de 1986; Paulo descia pela Rua Dr. Flores e Yasmine estava em frente a uma vitrine; os olhos dele buscaram os dela e desde então eles foram os seus faróis. Buscou uma última lufada de onde não havia; levantou os olhos, endireitou os joelhos trêmulos e refez a guarda num derradeiro e tormentoso esforço. Ele sabia que as duas coisas realmente importantes àquela altura eram, permanecer em pé, e continuar respirando. E foi o que fez. O gongo soou. Claudicante, foi para o corner solitário - os corners são sempre solitários. Amanhã seria um outro dia! E tudo o que ele podia fazer, pelo menos por ora, era permanecer em pé... e respirando!

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