As costas contra as cordas denunciavam a aflitiva posição no ringue. O último golpe na linha da cintura o deixara completamente sem ar. Esforçava-se para manter a cabeça oculta atrás dos punhos vacilantes, mas o sangue que vertia de seus supercílios abertos deixava a sua visão turva. Lembrou-se, então, daquela manhã de setembro e do sol refletindo no rosto dela. Vestia uma camiseta amarela com pequenas flores vermelhas; os cabelos soltos, os olhos amendoados e as mãos inquietas, de uma alva delicadeza. O adversário, implacável, continuava a castigar-lhe, agora com uma combinação que parecia interminável. Mas foi um jab de esquerda que fez seus joelhos dobrarem. Apelou para o clinch, e apenas por um instante a lona pareceu-lhe o destino inexorável. Foi na primavera de 1986; Paulo descia pela Rua Dr. Flores e Yasmine estava em frente a uma vitrine; os olhos dele buscaram os dela e desde então eles foram os seus faróis. Buscou uma última lufada de onde não havia; levantou os olhos, endireitou os joelhos trêmulos e refez a guarda num derradeiro e tormentoso esforço. Ele sabia que as duas coisas realmente importantes àquela altura eram, permanecer em pé, e continuar respirando. E foi o que fez. O gongo soou. Claudicante, foi para o corner solitário - os corners são sempre solitários. Amanhã seria um outro dia! E tudo o que ele podia fazer, pelo menos por ora, era permanecer em pé... e respirando!
Apenas por um dia é a natureza daquilo que é efêmero, transitório, impermanente, mas nem por isso menos belo, singular ou desprovido de importância. Sempre haverá uma perspectiva, um fragmento encoberto, que faz com que algo qualquer envolva alguma qualidade incomum, ainda que ambígua, mas por isso mesmo, rara.
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Mais um dia
As costas contra as cordas denunciavam a aflitiva posição no ringue. O último golpe na linha da cintura o deixara completamente sem ar. Esforçava-se para manter a cabeça oculta atrás dos punhos vacilantes, mas o sangue que vertia de seus supercílios abertos deixava a sua visão turva. Lembrou-se, então, daquela manhã de setembro e do sol refletindo no rosto dela. Vestia uma camiseta amarela com pequenas flores vermelhas; os cabelos soltos, os olhos amendoados e as mãos inquietas, de uma alva delicadeza. O adversário, implacável, continuava a castigar-lhe, agora com uma combinação que parecia interminável. Mas foi um jab de esquerda que fez seus joelhos dobrarem. Apelou para o clinch, e apenas por um instante a lona pareceu-lhe o destino inexorável. Foi na primavera de 1986; Paulo descia pela Rua Dr. Flores e Yasmine estava em frente a uma vitrine; os olhos dele buscaram os dela e desde então eles foram os seus faróis. Buscou uma última lufada de onde não havia; levantou os olhos, endireitou os joelhos trêmulos e refez a guarda num derradeiro e tormentoso esforço. Ele sabia que as duas coisas realmente importantes àquela altura eram, permanecer em pé, e continuar respirando. E foi o que fez. O gongo soou. Claudicante, foi para o corner solitário - os corners são sempre solitários. Amanhã seria um outro dia! E tudo o que ele podia fazer, pelo menos por ora, era permanecer em pé... e respirando!
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