Depois de olhar descuidadamente para os dois lados ela atravessou a rua e andou, sem pressa, por mais duas quadras até chegar a Alameda das Borboletas. Percorreu ainda alguns metros e deteve-se junto as escadarias do velho prédio. O tempo, há muito, igualmente detivera-se ali. Seus olhos buscaram por algo que só a lembrança retivera: Risos e flores indiferentes ao concreto insípido; olhares furtivos que prometiam o desconhecido; roçar de lábios e de dedos; estranhamentos desafiavam as tardes baldias depois da escola. Tudo impregnara tudo, e a gravidade dos anos não conseguiu obliterar a leveza e a bruma ali onde a felicidade, um dia, aninhara-se apenas para observar os filhos prediletos da primavera. Além daqueles limites, só os escombros e a entropia.
Apenas por um dia é a natureza daquilo que é efêmero, transitório, impermanente, mas nem por isso menos belo, singular ou desprovido de importância. Sempre haverá uma perspectiva, um fragmento encoberto, que faz com que algo qualquer envolva alguma qualidade incomum, ainda que ambígua, mas por isso mesmo, rara.
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
Gabriela
Continuo te esperando... Quem me dera que em uma manhã qualquer, por algum equívoco do espaço-tempo, tu entrasses por aquela porta, mochila nas costas, sorriso nos lábios e a face iluminada pelo sol de uma primavera imemorial!
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Mais um dia
As costas contra as cordas denunciavam a aflitiva posição no ringue. O último golpe na linha da cintura o deixara completamente sem ar. Esforçava-se para manter a cabeça oculta atrás dos punhos vacilantes, mas o sangue que vertia de seus supercílios abertos deixava a sua visão turva. Lembrou-se, então, daquela manhã de setembro e do sol refletindo no rosto dela. Vestia uma camiseta amarela com pequenas flores vermelhas; os cabelos soltos, os olhos amendoados e as mãos inquietas, de uma alva delicadeza. O adversário, implacável, continuava a castigar-lhe, agora com uma combinação que parecia interminável. Mas foi um jab de esquerda que fez seus joelhos dobrarem. Apelou para o clinch, e apenas por um instante a lona pareceu-lhe o destino inexorável. Foi na primavera de 1986; Paulo descia pela Rua Dr. Flores e Yasmine estava em frente a uma vitrine; os olhos dele buscaram os dela e desde então eles foram os seus faróis. Buscou uma última lufada de onde não havia; levantou os olhos, endireitou os joelhos trêmulos e refez a guarda num derradeiro e tormentoso esforço. Ele sabia que as duas coisas realmente importantes àquela altura eram, permanecer em pé, e continuar respirando. E foi o que fez. O gongo soou. Claudicante, foi para o corner solitário - os corners são sempre solitários. Amanhã seria um outro dia! E tudo o que ele podia fazer, pelo menos por ora, era permanecer em pé... e respirando!
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