domingo, 29 de maio de 2016

Outro dia, talvez

Resultado de imagem para ressaca e o mar



Não se vá, minha amada ...
Hoje não, outro dia talvez
Se tu me deixares hoje talvez eu não saiba como voltar para casa

Olhes, as ruas estão quase vazias, só sobraram os solitários
Setembro agora é apenas uma lembrança distante
E a faixa de areia foi engolida pela ressaca  

Não se vá, meu amor...
Hoje não, outro dia talvez

terça-feira, 17 de maio de 2016

Paisagens


- Jamais! Isso nunca! De jeito nenhum! Não, mesmo! Você enlouqueceu por acaso?!
- Lena, veja bem, eu não pedi pra fazer sexo anal contigo. Eu perguntei se você queria casar comigo; só isso!
- Fabrício, eu não quero ser rude, mas acho que essa foi a coisa mais estúpida que eu ouvi você dizer nesse tempo todo que estamos juntos, e olha que a gente já falou muita besteira! Como assim, "quer casar comigo?" Fabrício, a gente se conhece o que, há dois meses? Três, no máximo!
- Lena, eu não te entendo. Você tem uma cabeça completamente descolada, nada convencional, não está nem aí pra quase nada, e me vem com coisas como, ah, a gente se conhece há dois meses e blá blá blá. Como se isso realmente contasse pra alguma coisa e ...
- Olha, amor, vamos lá, deixa eu tentar explicar o meu ponto de vista. Ouve o que você mesmo acabou de dizer: "Você tem uma cabeça completamente descolada, nada convencional". Veja bem, Fabrício, ninguém tem uma cabeça completamente aberta, entendeu?  Todo mundo é convencional em algum ponto, em alguma coisa, até os malucos observam alguma convenção em algum lugar, sei lá, em alguma ocasião. E nesse aspecto eu sou convencional: o casamento é uma convenção que eu levo à sério demais pra me envolver com ele, e também porque eu acho que já faliu faz tempo. Por que eu iria querer me envolver com um negócio falido? Mas você tá falando sério?! Mesmo?!
- Sabe, Lena, deixa pra lá! Faça de conta que eu nunca te fiz essa pergunta, tá bom? Mas assim, só pra encerrar esse assunto: eu acreditava, mesmo, de verdade, que havia algo entre a gente, e quando eu falo de algo entre a gente eu quero dizer algo a mais, entende...? Foda-se, eu vou dizer... Eu pensei que a gente se amava, entendeu agora?! Sim, porque eu te amo!
- Mas, amor, o que tem a ver o casamento com o que rola entre nós dois? É, eu acho que te amo também; e não vai ficar chateado por eu dizer que acho que te amo. Olha, você sabe, meu pai é psicanalista e, sei lá, talvez por influência dele, até bem pouco tempo eu nem acreditava nessa coisa de amor, achava que isso nem existia, e se existisse de fato, eu tinha certeza de que não era pra mim. Mas então você apareceu... e me fez duvidar dessas minhas convicções. Mas olha só, de qualquer modo, pra mim, uma coisa é o amor e outra, bem diferente, é o casamento, entende? E isso não vai mudar pra mim.
- Tá bom, Lena, eu não vou mais falar nesse assunto contigo, nunca mais!
- Ah, você ficou chateado!
- Não, não tem problema, eu supero. Me dá licença, eu vou ao banheiro...

Lena e Fabrício se casaram dois meses depois, e foram singularmente felizes nos anos que se seguiram, donde se poderia concluir que amor, casamento, felicidade e convicções são temas que não necessariamente andam juntos e que também não necessariamente possuem qualquer lógica a priori. Ou possuem, sei lá!




quinta-feira, 5 de maio de 2016

As raízes expostas depois da tempestade

Resultado de imagem para impressionismoNina estacionou seu carro naquela ruazinha simpática e arborizada. Desligou o motor; retirou a chave da ignição; puxou o freio de mão e ficou ali, dentro do carro, olhando o vazio. Apenas um rumor abafado lhe fazia lembrar que a cidade, tal como um bicho excêntrico, se mexia em algum lugar não muito distante de onde estava. Tudo o que lhe acontecera nos últimos meses começou a se projetar, como uma espécie de curta-metragem, de muitos lugares da sua memória. Perdera o emprego, o amor que julgara ser o da sua vida, perdera o apartamento em que morava e junto com tudo isso, também uma boa parte de todos os sonhos que sonhara para si. Enquanto sentia o gosto levemente salgado das lágrimas que lhe chegavam à comissura dos lábios, de súbito, como se fosse um cobertor quente numa noite fria de inverno, um pensamento estranho lhe ocorreu: nunca estivera tão livre, nunca se sentira assim, tão desenraizada! Todos os caminhos lhe eram possíveis, todos os lugares, todas as trilhas lhe eram franqueadas e havia tantos novos sonhos para serem sonhados! Agora já não tinhas posses, e também já não era posse de mais ninguém.