quinta-feira, 10 de maio de 2012

A menina que colecionava sorrisos


“O olho que contempla o céu estrelado, que distingue aquela luz que nem ajuda , nem atrapalha e que nada tem em comum com a terra e suas necessidades, este olho vê nesta luz a sua própria essência, a sua própria origem... O céu lembra ao homem o seu desígnio, lembra-o de que ele não nasceu somente para agir, mas também para contemplar.”


                                                                                                                        Ludwig Feuerbach





Alguns a achavam excêntrica, outros apenas um pouco estranha. Mas todos concordavam numa coisa, que Gabriela, treze anos, era diferente.

Quando conhecia alguém, ela não fazia perguntas do tipo, qual o teu nome? de que família você é? em que bairro você mora? qual a tua profissão? Não! A menina, para constrangimento de alguns e deleite de seu pai, achava que isso dizia muito pouco a respeito das pessoas.

Então, quando era apresentada a alguém suas perguntas, invariavelmente, eram do tipo, qual a tua música preferida? e a cor? qual o livro de que mais gotas? já escolheste uma estrela só pra ti? e se sim, podes me mostrá-la quando anoitecer?

Lembro-me de uma das perguntas que me fez quando a conheci:

- Tu já fizeste alguma viagem para bem longe? Se sim, me conta como foi?

Uma das coisas de que Gabriela mais gostava era de dar presentes, e os presentes de Gabriela eram como o sol de primavera, pequenos tesouros para serem guardados dentro do peito.

O dia em que lhe falei de minha partida, de minha mudança para muito longe, anunciou que me daria um presente.

E assim, alguns dias depois, ela apareceu com aquele pequeno embrulho, em cujo papel havia desenhos delicados e coloridos. Quando eu quis abri-lo ela me disse para não fazê-lo, que esse presente não era para aquele dia, mas para um outro, que ainda estava em algum lugar no futuro. “Mas quando?”, eu perguntei. Ela respondeu-me simplesmente que eu saberia. Então pensei comigo, “... é a Gabriela e suas esquisitices!” Mas decidi aceitar a brincadeira. Guardei o pacotinho em algum lugar de minha bagagem e ele ficou ali, por muitos e muitos meses.

Tempos depois, numa noite de poucas estrelas e de coração solitário lembrei, num sobresalto, do pequeno pacote, e disse pra mim mesmo, “Sim! Só pode ser hoje.” Procurei nos muitos compartimentos de malas e de bolsas e o encontrei finalmente.

Com o coração aquecido por uma felicidade extemporânea eu abri o pequeno pacote. Dentro dele havia uma pequena caixa, de fósforos, onde Gabriela desenhara muitos sóis e escrevera uma frase: “Em meu coração, eu guardei todos os teus sorrisos.”

Dentro da caixa havia uma folha de papel bem dobrada. Em uma das dobras estava escrito: “Este é o teu presente, abra e leia-o, e guardes contigo; é do teu poeta preferido, aquele que também gostava de ser chamado de Caeiro .”



Na folha igualmente cheia de desenhos coloridos estava escrito:


Quando tornar a vir a primavera

Talvez já não me encontre no mundo.

Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente

Para poder supor que ela choraria,

Vendo que perdera seu único amigo.

Mas a primavera nem sequer é uma coisa:

É uma maneira de dizer.

Nem mesmo as folhas tornam, ou as folhas verdes.

Há outros dias suaves.

Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

                                                                            Fernando Pessoa



E foi o presente mais lindo que ganhei na minha vida!

                                                                                                        Carlos Augusto Machado























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