Bia despertou num sobressalto. Ofegante, levou a mão à testa e enxugou um pouco do suor - o coração batia acelerado. Já era a terceira noite que tinha pesadelos como este. A luz do abajur parecia lançar mais penumbra sobre a penumbra. Passou os olhos pelo quarto - como que procurando algo - e lhe pareceu não encontrar nada daquilo que já não estivesse ali antes. Fechou os olhos e respirou profundamente; depois tentou repassar tudo. Não sabia como nem por que, mas estava morta! ... a três dias pelo menos. Estranhamente sentia que seu corpo não se decompunha. Não obstante sabia que estava morta. Tentava falar com os que estavam ao seu redor, mas ninguém a ouvia. Transitava por entre as pessoas, mas ninguém parecia se dar conta dela. Então uma sensação, que começava como um simples desconforto, tomava conta de seu corpo e acabava por petrificá-la; em pânico, não conseguia respirar; então despertava, aflita. Abriu os olhos novamente e voltou a inspirar profundamente, como que querendo se certificar de que podia fazê-lo sem obstáculo. Olhou o relógio. Eram apenas quatro horas da madrugada. Tentou, sem êxito, adormecer novamente. Sentou-se na cama e ficou assim por alguns minutos. Procurava insistentemente não pensar, ou pelo menos, não se fixar em nada, mas as sensações de angustia que o pesadelo lhe provocara ainda eram vívidas. Levantou-se e foi até o rádio-relógio, desligou o despertador e ligou o rádio. Sentiu uma centelha de felicidade quando ouviu “Good morning Starshine”. Foi até a janela e abriu a cortina. A rua em frente estava vazia e Bia também. Em apenas três meses o mundo se tornara um lugar estranho para ela. Estranho e hostil. Agora tocava "Honey-Drippin’ Time". Amanhecia...