terça-feira, 22 de setembro de 2020

O menino e seu primeiro amor

O pátio apinhado de infantes vestidos de azul; a longa escadaria que dava acesso ao prédio principal e à sua arquitetura severa; risadas que pipocavam aqui e ali e que contrastavam com um sol preguiçoso que parecia um tanto indisposto naquela manhã de março. 

Ela estava ali, parada, um pouco à frente na fila ao lado da sua.

Ele aproximou-se o tanto quanto pode, e tentou articular uma frase. Mas as palavras demoraram uma eternidade para chegar-lhe aos lábios.

Blem, blem, blem.

A fila começou a mover-se, mas ele permaneceu estático. Seus olhos continuaram cativos, cravados nas mechas que delicadamente pendiam ao longo da sua nuca. 

- Tá dormindo?! Mexa-se, vamos!

Naquela manhã, pela primeira vez em sua vida ele descobriu, perplexo, que seu coração lhe era um desconhecido: socando seu peito como um louco, estava a ponto de escapar-lhe pela boca.

 

 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

As graças de cada dia

Ela era sem graça, todos sabiam, e diziam. 

Ele também não tinha maiores atrativos.

Um dia se conheceram, e encheram de graça e de atrativos o mundo que inventaram. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

 

Recostada contra a parede do alpendre, uma réstia de sol assomava-lhe a pálpebra.

Os lêmures deixaram para trás um murmúrio, inaudível aos céticos e aos pobres.

A manhã se fora e a tarde... bem, a tarde ainda não dissera a que viera.

"E se um demiurgo louco esquecesse de inventar o tempo? Nesse universo improvável talvez os teus lábios ainda estivessem colados aos meus, para sempre".