Chovera intensamente a noite toda. Pela manhã, as ruas e praças eram quase um charco. Os prédios pareciam bunkers e dentro deles almas melancólicas se entrincheiravam à espera de que o sol lhes viesse redimir. O sol não veio, e continuou chovendo - agora uma chuva modorrenta - durante todo o dia. A certa altura, como se fosse uma orquestra de loucos, as buzinas lá fora prenunciaram que a noite estava ali, à espreita. Pensei, "...e se ela me ligasse? Se ela me ligasse o sol, certa e mansamente, retornaria". "Quanta bobagem", concluí. Meu gato, em sua sabedoria elementar, de gato, depois de dormitar ao longo da tarde, indiferente à qualquer devaneio sobre ligações telefônicas em uma eventual conexão com o retorno do sol, veio roçar-se, maliciosamente, em minhas pernas. "Ahá, também estas melancólico, né?!" . De súbito, entretanto, lembrei-me! A bem da verdade, o que Theo sentia não era bem melancolia. É que estava na hora de reabastecer a sua tigela de ração. Bem, pelo menos alguém, naquele apartamento soturno, não perdera de todo a sanidade.
Apenas por um dia é a natureza daquilo que é efêmero, transitório, impermanente, mas nem por isso menos belo, singular ou desprovido de importância. Sempre haverá uma perspectiva, um fragmento encoberto, que faz com que algo qualquer envolva alguma qualidade incomum, ainda que ambígua, mas por isso mesmo, rara.
segunda-feira, 17 de agosto de 2020
Melancolia
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